sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Sono

Vem repousar no meu seio
Escapulir por entre os dedos do mundo
Deixa teu sono varrer os segundos
Ganhar a eternidade dos tempos

Para que, amigo, o instante permita
Banhar meus olhos com toda sua graça
Vívida doçura que enlaça
Meus ais, meus sais, meu sangue

Vem cerrar, de manso, teus olhos
No mais quando a noite revela
Vem, que teu sono desvela
O que de ti mais frágil se apresenta

Arde, enquanto dormes, uma beleza
E meu atrevimento sequer ousa
Dizer do anjo que ali repousa
O nome da jóia a que se coteja

Andarilho, o tempo em mim esbarra
Num instante generoso e desmedido
E eu ali, num impulso contido
Muda, a fitar-te dormindo

sábado, 13 de junho de 2009

A Justaposição

Ousar sabê-lo, o medo
Que não será fria sua peçonha
A enveredar pelos vermelhos riachos
Paralizando os sentimentos

Nem o açoite será seu mensageiro
Nem a sombra do que é velado
Nem a gélida ausência sofrida
Nem a poeira espessa de qualquer recusa

Pois o antígeno, certeiro
Na justaposição com mililitros
De mares infindos de bem querer
Ceifa o tristonho e tortuoso receio

terça-feira, 9 de junho de 2009

Acalantos


Um pobre peito não pode mais
Perder de vista a furta-cor
Que a olhos nus ludibriou o dia
E fez a noite descer de seu trono

Em minhas quase 400 gramas
Abrigo um afeto generoso como o cosmo
Que afaga-me de leve como a bruma
E como um tufão tira-me o sono


Aqui , se aconchegando ao lado esquerdo
A criatura humana descendente dos anjos
Rendilha-me com arrebatadores gracejos
E em minha lua alunissam seus encantos

Sob o osso esterno, a afetuosa e irremovível
Alegria efetiva, singela, plena e vívida
Toma-me pelas mãos do segredo, ainda
E rebenta profusa a vociferar os acalantos

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Inominável

Sinto as palavras enfraquecidas
Como se fossem insuficientes os sentidos
Vejo a rima e a métrica arrefecidas
E a poética a procura dos tesouros escondidos

Teu som cala os lábios e põe o riso nos cantos
Figura que irrompe a manhã e afugenta o sol dourado
Que busca outro infinito e cede a vez aos teus encantos
Para admirar tua luz qual dia ensolarado

Para explicar-te faltam letras, siglas, orações
Signos, códigos, fórmulas, funções, teoremas
Nem a rica metalingüística, lenitivo dos corações
Traduz teu tom que silencia todos os fonemas

Tua dança é branda pantomima indecifrável
Talvez análoga ao balé das folhas ao vento
Uma fonte de magia, na candura mais afável
Ou serás, vertiginoso, o próprio ar em movimento?

Em tua pele, cobre estonteante, os anjos hão de repousar
Loucura que atordoa a língua mãe, em verso e prosa
A lua em milhões de fases crescentes a vislumbrar
Tua tez, macia gabardina, a desvendar meu cor de rosa

Tua forma primorosa de salobro delineamento
Representa os traços da arquitetura magistral
Povoa-me inteira, plural do meu contentamento
Deleita a mente do poeta o saboroso madrigal

Aprendi que não há tempo nem modo, ciência ou exatidão
Tudo é haplologia restritiva de qualquer sentido
Indizível é sua figura em sua terna amplidão
E o teu amor lanceando meu peito, antes adormecido.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Alma Em Branco

Linda, lindeza
Real a beleza
A despir-te inteira.
Nua aquarela
Teu corpo uma tela
Meu beijo a pintura.
Cometa lancinante
Percorre fascinante
Meu norte e meu sul.
Dona de mim
Marca com teu carmim
Minha alma em branco.

Um dia de cada vez

Você:
Hoje eu acendi a luz. Deixei pra trás o negror dos tempos onde o homem era um vestígio frívolo da incapacidade de se amar. Puxei o ar que, castamente entrante, escorregou por minhas narinas e cumpriu, enfim, seu destino.
Eu:
Hoje estendi a mão. Tornei impraticável uma desdita. Segurei da forma como pudera e o mais que conseguira o gosto pela vida, que se fizera amargo. E na superfície nada plácida, ergueu-se o rosto à procura pelo belo açúcar.
Você:
Hoje me levantei. E dando conta de toda sujidade, olhei minha vestimenta impura e desejei uma fonte para banhar-me. Uma fonte sobrenatural que atingisse o princípio de vida, de uma criatura que ainda tem tanto para avançar e perdurar.
Eu:
Hoje desenhei uma chama. Alimentei com vivacidade uma esperança. Fiz a santa escolha pelo pavio aceso. Estive nos lugares obscuros e retornei ao dia claro, com você pelas mãos. Então, olhemos essa claridade, pois assim compreenderemos que o fogo vai tornar mais puro o viver.

domingo, 3 de maio de 2009

Encantamento

A voz fascina. Por ser a extensão dos pensamentos é capaz de capturar os sentidos, lancear um coração que bombeia atônito, se fazendo ouvinte paralisado das doçuras emitidas. Essa manifestação, dita verbal, transcende os fonemas e atinge não só os tímpanos. São beijos que percorrem as veias e fazem o corpo transpirar, pois ele é também seu súdito e interlocutor. Usando uma linguagem específica, traça um saboroso diálogo cheio de signos.
A palavra dita é uma semente plantada. Pobre dos covardes que não se permitem a bem aventurança da fala. Coitados são aqueles que aprisionam as interjeições tornando rasa a profundidade de um suspiro. Quem mantém em cárcere o aparelho fonador pode emudecer de vez e de tristeza ao perceber que a vida, antes articulada, perde em detalhes sutis sua forma de canção. Fica tudo pelo não dito e a poesia a esvair-se inteira.
Uma sugestão íntima enternece os ouvidos, sem contar o paladar adocicado que deixa na foz de seu prenunciador, realizado por externar seu anseio e por ser sua aglutinação de sons um mecanismo tradutor de si mesmo a entorpecer o alheio. É um toma lá dá cá dos mais aprazíveis, esse fluxo e refluxo.
Eu, mortal, uma reles que padece da necessidade de capturar a propagação das ondas sonoras, me enterneço e sonho ser anjo cada vez que meu pavilhão auricular pressente os vocábulos aspergidos pela boca perfumada de quem bem os diz. E me pego brincando a tagarelar com as aspirações que migraram para dentro de mim quando bateram a porta de meus ouvidos.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Divina Promessa

A estiagem pode desacreditar as pedras, antes acoitadas e submersas, limpas e purificadas de tanto que as águas, obstinadas, lavam e relavam o natural objeto , ali imóvel.
Contudo, o sol vivaz lhe oferta seu porte único e imprime um novo advérbio de modo. Ali, naquele instante, a totalidade das coisas passa a ter o gosto de uma divina e abrasadora promessa.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Novo
Da última vez que me olhei no espelho, tive da fria superfície, que refletia minhas retinas desgastadas, a luz de constelações inteiras. E por de trás da cintilação aquele azul assombroso de proporções desconhecidamente vastas. Entre um bem e um repúdio, as vistas alumiam e quantificam brilhos.
Sabe a imensidão que toda sua fulgência provém delas. Que o pacto instituído entre o ar, as moléculas e os raios é balela. Elas asseveram seu propósito maior e sua existência sem igual, para que, dada a necessidade, venham nos presentear com toda sorte de amor ou de felicidade.
As estrelas endossam sonhos e enaltecem amores. Devido a permanente beleza, têm o poder de desconstruir solidões, com mãos etéreas que afagam os cabelos dos impuros e dos tristonhos, lhes fazendo crer que é possível retomar a vida. Revelam que, mesmo compostas por fluídos infinitamente compressíveis, embora nobres, mas ainda sim gases, podem empunhar uma configuração especialíssima. E serem estrelas. Cantadas, admiradas, intimativas e fortes.
O universo ressabiado as conhece bem. E não teimando em vacilar com nenhuma delas, se realiza em somente ser seu pano de fundo. Encerra seu mistério ostentando a glória de ser sua
preciosa retaguarda.
No meio do gigante marinho e dos corpos celestes, ganhei minha prenda. Não zombo do guarda-costas das purpurinas celestiais. Apenas vejo todos como fazem de meus olhos suas moradas. Insistentes a desvelar enigmas e deixar rastros de fulgor em mim.

sábado, 25 de abril de 2009

Vento No Areal


Por ater-me ao teu encanto vejo desmoronar minhas dunas, contemplativas de toda razão e lógica que, por vezes, puderam sustentar-me inteira e sã. Você, como o vento que apavora os grãos, infundiu pavor ao meu bom senso causando a fuga da minha complacente serenidade.
Tuas naturais vestes de cor trigueira, que meus olhos, na indissolúvel lonjura, apenas sonham ousar sabê-las, saculejaram meus sentidos que hoje deslocam-se na tua intensão, somente.
És o ar em movimento a transgredir e remontar histórias, compostas por pequenos afagos, pequenos ósculos e pequenos segredos, marcados pelo nunca de um não poder existir. E que no tocante de sua inexistência tende a agigantar os desejos, a corroer-me as entranhas e é onde me faço inerme.
Entrego-me à ventania para ser tomada por sua aragem, a despir-me e encorajar-me num impulso à vida que pretende, doce e irraigada, não se deixar dissipar.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Desencontro

De que forma me tomas a pele
E marca tua afronta na derme que é minha?
Quando eu me permitira um canto novo
Esbarro em teu silêncio, que em meu peito se aninha
Parece meu querer assim tão pouco
Que pode esvair-se em nada o desejo que me tinhas?
Ou será que na procura por teus beijos
Ainda encontro tuas pegadas, na rua onde caminhas?

domingo, 12 de abril de 2009

Luz

Sinto como tocas meu desejo
Embora em outro continente
Meus ouvidos cedem aos apelos
Das palavras ditas entre os dentes

Boca, nuca, mãos e pernas
Tomadas pelo desconforto
De um quase que não se liberta
De um desejo atracado ao porto

Aflijo-me diante do querer insano
Por buscar sua textura me encanto
E me arvoro sem medo de errar
Sigo atordoada o rastro do seu cheiro
Dispondo minha boca que aguarda o teu beijo

E meu corpo por ti a implorar.

domingo, 5 de abril de 2009

Dedos na Tomada

Ando um pouco chocada e deveras preocupada. Hoje me consterna saber que poderia ter feito a diferença entre os 49.17% que, por tão pouco, não elegeram o ex-hippie e ex-candidato à prefeitura da cidade do Rio, Fernando Gabeira. Como dizia vovó, sobre o leite derramado já não se pode mais chorar. Muitos viajaram, outros foram à praia, alguns simplesmente não queriam ou não tinham candidato. Eu vaguei entre a última opção e um compromisso religioso. E pronto: fez-se a caca. O mau cheiro se espalha pelo temor da indagação. Do tipo de questionamento que você não fez quando resolveu driblar as condições adversas e convidar aquele cara pra sair (hoje ele é seu marido e pai dos seus filhos). Ou na ocasião em que decidiu que ia tentar o vestibular mais uma vez (e passou na terceira tentativa). Mas eu, como muitos, me pergunto: o que teria acontecido se...? Pois é, o compromisso era sério e a vontade de votar inversamente proporcional. E o grande engodo que é nossa democracia? Isso contribuiu para que, de uma hora pra outra, a cidade tivesse seus dedos grudados na tomada. Se minha percepção está cambeta segue do mesmo modo minha crença nessa Prefeitura.“Choque de Ordem” é um bom nome. Tenho que concordar. Fiz segundo grau técnico em publicidade. Mas o que está oculto, o que se pode saber dessas entrelinhas? De acordo com o G1, “nos cinco primeiros dias de operação Choque de Ordem da nova prefeitura do Rio, foram apreendidos 230 toneladas de material e lixo. Desde às 5h de segunda-feira (5), 257 moradores de rua foram acolhidos, cerca de 1,3 mil veículos multados e 280 rebocados.” Minha cabeça já anda caducando ao questionar esses números. Pensando... Para casa de quem foi tanta muamba apreendida? Por que é tão difícil identificar o elemento causador da desordem e combatê-lo? Quão penoso é pegar o dinheiro arrecadado em impostos e realizar as verdadeiras benfeitorias governamentais que não constituem em si um mero favor à sociedade? Dissuadir as crianças e jovens da torpe idéia, antes semeada, de que para concluir as mais importantes etapas da vida é preciso apenas tirar uma medíocre nota 4.0? Quando vão abrir e romper com acordos responsáveis pela imoral tarifa dos transportes urbanos? Em que ocasião um cidadão extremamente adoentado vai dirigir-se a um hospital e encontrar um tomógrafo funcionando? Pode tratar-se de um bom nome, mas talvez não seja eu seu público alvo. Contudo, polianamente, rogo à Prefeitura: choquem-me!

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Aproveitadora

A tecnologia é altruísta e solidária. Recorremos às frias teclas para abrirmos nossa mente e desvendarmos coisas sobre nós mesmos. Coisas que permaneceram ocultas, outras que vertem como um grito e algumas, tão corriqueiras, que causam um certo saltear nos dedos que digitam, com pressa e intimidade, o assunto.
Eis-me aqui. Aproveitadora desta caixa que liberta.