domingo, 3 de maio de 2009

Encantamento

A voz fascina. Por ser a extensão dos pensamentos é capaz de capturar os sentidos, lancear um coração que bombeia atônito, se fazendo ouvinte paralisado das doçuras emitidas. Essa manifestação, dita verbal, transcende os fonemas e atinge não só os tímpanos. São beijos que percorrem as veias e fazem o corpo transpirar, pois ele é também seu súdito e interlocutor. Usando uma linguagem específica, traça um saboroso diálogo cheio de signos.
A palavra dita é uma semente plantada. Pobre dos covardes que não se permitem a bem aventurança da fala. Coitados são aqueles que aprisionam as interjeições tornando rasa a profundidade de um suspiro. Quem mantém em cárcere o aparelho fonador pode emudecer de vez e de tristeza ao perceber que a vida, antes articulada, perde em detalhes sutis sua forma de canção. Fica tudo pelo não dito e a poesia a esvair-se inteira.
Uma sugestão íntima enternece os ouvidos, sem contar o paladar adocicado que deixa na foz de seu prenunciador, realizado por externar seu anseio e por ser sua aglutinação de sons um mecanismo tradutor de si mesmo a entorpecer o alheio. É um toma lá dá cá dos mais aprazíveis, esse fluxo e refluxo.
Eu, mortal, uma reles que padece da necessidade de capturar a propagação das ondas sonoras, me enterneço e sonho ser anjo cada vez que meu pavilhão auricular pressente os vocábulos aspergidos pela boca perfumada de quem bem os diz. E me pego brincando a tagarelar com as aspirações que migraram para dentro de mim quando bateram a porta de meus ouvidos.

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